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Educar com HQ para quê?

Semana passada, eu terminei um curso chamado “Quadrinhos em Sala de Aula”, ofertado pela pela Fundação Demócrito Rocha em comunhão com a Universidade Aberta do Nordeste. Tudo feito por EAD, já que nesse período de pandemia, é o que nos resta se queremos nos atualizar e profissionalizar. Enquanto professor, vi no curso a oportunidade de incluir um instrumento didático pouco utilizado em sala de aula, mesmo com sua crescente presença nos livros didáticos. Aliás, se a gente deseja chamar atenção dos alunos, não adianta forçá-los a prestar atenção em aulas puramente discursivas. Eu adoro inovar e trazer elementos divertidos para a sala de aula, e saber utilizar os quadrinhos faz parte desse caminho para uma educação progressista, que foge do “enquadramento” tradicional do papel do professor.


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Capa do primeiro fascículo do curso


Os quadrinhos prometem entregar uma nova forma de enxergar o mundo, de transmitir ciência, quiçá de alfabetizar funcionalmente os alunos, tudo isso enquanto torna o conteúdo e as aulas mais divertidas e interessantes. Claro, não quero dizer que todo e qualquer quadrinho faz da aula melhor, porque é preciso saber utilizá-los. O momento certo, o conteúdo apropriado, é o que nós, educadores, precisamos aprender a reconhecer. Esse seria um dos passos para utilizar tais recursos em sala de aula, mas podermos ir mais a fundo.


Saber selecionar os quadrinhos a serem utilizados realmente demanda tempo, interesse e, às vezes, até recursos. É preciso tempo para procurar e avaliar cada quadrinho de acordo com os objetivos do processo de ensino-aprendizagem dos conteúdos programáticos. É preciso interesse, porque sem ele, sequer somos motivados a ir em busca de tais instrumentos. Ele é fonte primária do professor na corrida pela inovação e na bagunça do modus operandi da sala de aula orientada por costumes tradicionais. Além do mais, é ele quem nos faz trabalhar uma aula (referência à minha querida e falecida professora e amiga Marisa Valladares) que nos enche de orgulho por conseguir animar e trazer a atenção dos alunos para um conteúdo que, outrora, só a despertava nos mais engajados e alimentava o desejo de ir embora dos outros. E, certamente, como disse, às vezes, é preciso dispensar de recursos, mesmo porque não é fácil encontrar material condizente com as nossas expectativas sem que gastemos um pouco da nossa suada bufunfa. Inclusive, essa é uma posição crítica minha em relação à posição frequentemente exposta pelos conteudistas do curso. A proposta é certamente interessante, mas, a depender de onde você busca aplicá-la, dificilmente é possível, por exemplo, criar uma gibiteca. A realidade escolar, do professor e da família dos alunos não é tão simples de ser contornada. Existe a falta de recursos dos alunos e a ausência de interesse e suporte do corpo administrativo da escola. Então, a muitos de nós, o que resta é correr atrás de quadrinhos on-line. Mas não se trata de olhar para isso como um problema, só como uma limitação, porque, atualmente, a internet é a nossa maior fonte de material didático - ao menos no que diz respeito à inspiração -, e é onde conseguimos encontrar uma vasta diversidade de quadrinhos.


Certamente, muitos de vocês podem estar dizendo a si mesmos - ou direcionando a palavra a mim - que os quadrinhos já são contemplados no livro didático, então não haveria razão por toda essa preocupação. Eu devo admitir que, para o fim de trazer os quadrinhos para dentro da sala de aula, o livro didático tem nos servido bem. Numa página ou noutra, eles aparecem, ora abrindo a cancela para uma incursão cognitiva, ora cobrando o uso dos conhecimentos adquiridos. Vamos refletir sobre a minha realidade, na qual eu tenho um pouco mais de propriedade para falar a respeito. Nos livros didáticos de Geografia, os quadrinhos os quadrinhos tendem a aparecer sobretudo na seção de atividades. Por um lado, isso já pode ser considerado uma vitória, porque não faz muito tempo que sua mera presença em sala de aula era considerada subversiva. Por outro, existe uma série de fatores que precisam ser levados em conta antes nos acomodarmos com os atuais livros didáticos.


Não quero me estender muito a respeito do livro didático por agora, mas considerem o que eu tenho a dizer. Enquanto um instrumento didático, o livro didático tem nos oferecido um caminho para nossas incursões docentes, em especial para aqueles que estão iniciando a vida no professorado. Mas, ao menos no Ensino Fundamental, o livro didático de Geografia está repleto de conteúdo e atividades. Ao mesmo tempo, a disciplina perdeu hora de aula, após a reforma do ensino básico, e, agora, seus professores (e os de outras disciplinas também) estão cada vez mais a mercê do “dar aula”, pois é preciso contemplar uma ampla gama de conteúdo programático e corresponder às exigências e expectativas da administração escolar e das famílias dos alunos, no que tange a dar conta de livros didáticos tão caros (no caso das escolas privadas). Diante disso, se desejamos romper com as barreiras da tradicionalidade, ao mesmo tempo em que nos mantenhamos sãos e empregados, o livro didático não pode ser nada mais que um dos instrumentos didáticos. Há que se fazer uso dele, mas com moderação. E, assim, selecionamos o que nos é mais interessante e complementamos nossas aulas com outros materiais. Ou seja, fazer uso de todas as atividades do livro didático é no mínimo inviável, para não dizer também contraprodutivo.


Talvez já seja possível enxergar onde eu quero chegar com essa minha pequena intromissão midi-curso. De fato, os quadrinhos aparecem vez ou outra nas aulas das disciplinas do ensino básico. Inclusive, as tiras e as charges são algumas das mais correntes. Mas, ora!, existe uma multiplicidade de tipo de quadrinhos. Existem as webcomics, os cartuns, as graphic novels, as quadrinizações de romances, os mangás, os gibis e alguns outros. Por que não fazer uso de todos eles e aproximar o conteúdo da realidade dos nossos estudantes? Esse emaranhado de material faz parte da vida das crianças e jovens, e podem ser aproveitados em sala de aula dado o seu forte potencial educativo, além de corroborarem para a sociabilização. Aliás, a imagem contida nos quadrinhos são uma fonte rica e própria de informação. Ela comunica algo mais que as palavras, além de complementá-las - e vice-versa. Lembremos que as gerações estão cada vez mais visuais e, ao invés de irmos contra a maré, forçando os alunos a lerem textos enormes, ouvirem explicações intermináveis e copiarem matéria do quadro ou de slides, as HQs caem como uma luva para aqueles que buscam levar elementos imagéticos para a sala de aula. Além do mais, para aqueles como eu que representam o Brasil como um triângulo, os quadrinhos suprem também uma necessidade artística.


Agora, pensemos na maneira pela qual esses materiais são usados em sala, através ou não dos livros didáticos. Talvez com exceção do Português, a tendência tem sido de utilizá-los em atividades de interpretação e de correlação com o conteúdo trabalhado previamente. Embora eu acredite que essa é uma forma válida, mais interessante e mais instrutiva de fazer os alunos “testarem” o conhecimento trabalhado em sala, é possível ir além. Podemos pedir para eles completarem balões em branco de quadrinhos ou criarem os seus próprios quadrinhos para retratar conteúdos trabalhados em sala. Tive a oportunidade de testar essas propostas, e os resultados foram animadores. Apesar das aulas remotas me distanciarem um pouco dos meus alunos e dificultarem a explicação e o acompanhamento das atividades, houve muito interesse por parte dos alunos, mesmo daqueles que alegavam “não sei desenhar!” - “pois eu também não!”. Nesse caso em específico, eu preciso ressaltar que não é necessário saber desenhar, porque os quadrinhos podem ser feitos através de colagens ou com desenhos de palitinho. En tous cas, no fim, eu não só consegui discutir o conteúdo trabalhado utilizando a produção dos próprios alunos, como eu pude identificar os conhecimentos que eles já possuíam (ou que adquiriram de forma autônoma mediante a pesquisa para produzir o material), além de poder auxiliá-los na escrita, na representação imagética (uso de cores e formas). Claro, reproduções de material existe acontece, e precisamos saber contornar esses casos, algo que aprendemos com o tempo. Pessoalmente, eu prefiro reconhecer o esforço e trazer a tona o positivo da produção, já que não havia nota envolvida nas atividades.


Exemplos de algumas atividades realizadas pelos alunos


Além da diversificação das atividades, eu tenho percebido a necessidade de se inverter a lógica por trás do uso dos quadrinhos como um simples recurso de avaliação formativa - o que muitas vezes sequer é levado em conta, já que a correção das atividades raramente é um acompanhamento particular. Se quisermos tirar proveito de todo o seu potencial, não só é possível, como é imprescindível contemplá-lo em diferentes partes do processo de ensino-aprendizagem. Na Geografia, por exemplo, por que não mostrar um quadrinho ambientado no sertão nordestino e, a partir dali, explicar as características culturais e naturais da região? Por que não usar quadrinhos sobre a situação dos refugiados palestinos para discutir os conflitos árabe-israelenses? Por que não usar quadrinhos sobre a vida dos japoneses nos campos de refugiados nos EUA para trabalhar a geopolítica do Japão e a cultura japonesa? Por que não usar a quadrinização do filme “Os Tempos Modernos” para explicar a revolução industrial?


Exemplo de obras com potencial didático para a Geografia


Apesar da constelação de possibilidades, em nenhum momento eu quero advogar a favor do uso irrestrito e irrefletido dos quadrinhos. Dependendo do conteúdo, usar quadrinhos se torna totalmente dispensável, porque existem outros instrumentos muito melhores para desenvolver as habilidades desejadas aos estudantes. No entanto, advogo, sim, a favor da experimentação, do interesse e do comprometimento com uma educação menos engessada, mais divertida, crítica e visual.

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